Música do mundo. Pode ou não pode o cristão ouvir?

Uma abordagem técnica da música cristã ou não, do ponto de vista do consumo.

Música do mundo. Pode ou não pode o cristão ouvir?
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Este é um dilema nitidamente da igreja moderna que por alguma razão atingiu em cheio a música. Poderemos reformular a pergunta, acrescentando ai um pouco mais de dúvidas: o cristão pode assistir filmes do mundo? Pode assistir séries do mundo? Ir em exposições de arte do mundo? Pode ler livros do mundo?

Antes de falar sobre o tema em si, é preciso que fique claro que aqui neste artigo, música do “mundo” (entre aspas) é a música que se ouve fora da igreja não comercializada e/ou gravada por músico cristão, o gospel ou evangélico. Esta terminologia é só para facilitar o entendimento do leitor e não reflete nenhuma descriminalização sobre quem ouve uma e outra. Também não vamos tratar aqui da qualidade, letra, ritmo e estilo da música a ser ouvida no “mundo” ou dentro da igreja. Isso será abordado em outro artigo em tempo oportuno.

Ouve um tempo em que ouvir música do “mundo” era motivo de imediata disciplina em algumas igrejas espalhada pelo Brasil, principalmente em se tratando de igrejas evangélicas pentecostais. Porém, com o passar do tempo as pessoas foram se adaptando à modernidade, foram conhecendo mais a fundo a Bíblia e, obviamente, entendendo que não passava de uma regra humana, não teológica e sem respaldo algum biblicamente. Estas mudanças começaram a eclodir com mais ênfase nos anos 70 nos Estados Unidos, principalmente com o grande avivamento acorrido com o Movimento de Jesus, do qual falaremos em detalhes em outro artigo em breve.
E sim, o cristão pode (e na minha opinião deve) deve ouvir música do “mundo”. Que fique bem claro aqui que isso não significa que não se deve ter filtro para isso. Sabemos que existe muita música boa dentro da igreja, mas também existe muita coisa ruim. Bem como existe muita coisa ruim fora da igreja, bem como muita coisa boa. O aposto Paulo no capítulo 17 de atos deixa clara que é necessário conhecer a cultura de nossa época. É preciso conhecer, observar e julgar com sabedoria.

Então quer dizer que o cristão não pode se fechar e ouvir só música considera cristã? Claro que pode. Só que isso não pode ser considerado como condição para ser cristão, para ser espiritual. É preciso entender que ouvir música cristã ou do “mundo” são padrões de consumo (gostemos ou não) e isso tem base em transações comerciais e financeira. De alguma forma estaremos direcionando dinheiro para o nosso cantor ou artista preferido. Com isso, nos tornamos quase que reféns de apps de músicas e só eles representam bilhões de músicas ouvidas no mundo todas os dias.
Apps como Spotfy, Deezer, Apple Music, Youtube Music, Amazon Music, Tidal, SoundClound, Tecent Music, Resso, NetEase e Yandex são os grandes responsáveis por este fenômeno. São mais de 180 milhões de músicas disponíveis só no Spotify e no Deezer. A indústria fonográfica obteve no Brasil em 2021, lucro de R$ 2,1 bilhões, segundo a FPI (Federação das Indústrias Fonográficas). Os vídeos musicais em streaming com interatividade, e remunerados por publicidade, como o Youtube e Vevo entre outros, geraram recursos de aproximadamente R$ 403,7 milhões de reais em 2021, subindo 56,2% se comparadas a 2020. No mundo todo o lucro total chega perto dos US$ 400 bilhões (sim, bilhões de dólares que convertido, daria mais de R$ 1,7 trilhões de reais). Estima-se que em 2022 as 10 músicas mais tocadas no mundo no Spotfy chega a 845 milhões de streeming.
Já no mercado gospel brasileiro, o Youtube revela que só uma única música cristã, atingiu mais de 65 milhões de visualizações em 2022/23. Estamos falando de uma mega indústria que movimenta muitos bilhões em reias e que cresce em média 20% ao ano globalmente.

Diante do contexto acima, fica perceptível a grande confusão que se gera em torno do consumo musical no meio dito evangélico ou gospel. Ao tentar colocar este consumo no aspecto espiritual as coisas começam a se complicar porque o consumo é incompativel com a vida espirirtual e, olhando por este aspecto, a vida espiritual se torna um tipo de mundanismo porque o consumo é algo do nosso mundo natural.
É importante ressaltar que no Brasil, nunca houve um movimento da música cristã que influênciou a nossa sociedade a ponto de ser modificada musicalmente. Pelo contrário, e aqui podemos tomar como exemplo o movimento pentecostal que foi influênciado pela música nordestiva, que é do "mundo". Em vários momentos de nossa história recente da música cristã foi empregado elementos e referências de fora, ou seja, do "mundo".

É preciso compreeender que não se pode confundir o sagrado com o profano. Cada coisa deve estar no seu lugar. É comum querermos espiritualizar coisas materiais e de fato, isto ocorre com muito mais frequência no meio pentecostal (desculpem os pentecostais, eu sou um deles, mas temos que falar a realidade) fazendo com que, direta ou indiretamente, se crie um mercado consumista onde de uma forma sutíl, as pessoas são identificadas e rotuladas pelo que ela compra e consome - neste caso a música cristã - da mesma forma que o "mundo" o faz. Isto nada mais que do que participar de uma experiência promovida por alguém. Se você é rotulado por frequentar cultos onde vai estar o seu cantor preferido, a sua fidelidade tem a ver com o tipo de música que você ouve, que é exatamente aquela que é cantada na igreja. Na verdade, sua espiritualidade pode estar baseada no consumo.

Se a sua opção é de só ouvir música cristã, tudo bem, não esta errado. O que não se pode é fazer disso um ensino teológico e nesse sentido, é preciso tomar cuidado para não sermos consumido pelo nosso consumo. Ouvir música cristã, independentemente de qualquer coisa, é muito bom, faz bem, edifica, tem seus efeitos e Deus, por meio da boa música cristã (que trataremos em outro artigo), através de seu Espírto Santo, pode sim consolar. Não podecos em hipótese alguma, transformar Deus em um mero padrão moral. Deus é muito mais que isso.
Não que ouvir musica do mundo? tudo bem, é uma escolha sua, mas nunca (repito) nunca faça disso um qualificativo para uma vida piedosa e espiritual. Fazendo isso, você estará tirando o foco do seu relacionamento espiritual com Deus para transforma-lo em um padrão de consumo, e consumo é do "mundo".